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terça-feira, 16 de abril de 2013

A história que a Morte contou


"Quando a morte conta uma história, você deve parar para ler." Eu parei. E fico muito feliz com isso. Descobri que a morte é uma contadora de histórias magnífica, capaz de se sensibilizar com a humanidade de uma forma bem própria - distante e caridosa. Deve ser porque ela tem experiência com a raça humana; a conhece tão bem porque a encontra cara-a-cara exatamente em seu momento mais vulnerável e descoberto. 

Vai ver é por isso que ela é tão sensível. Principalmente às cores. A narradora de A menina que roubava livros começa deixando clara a obtusidade das pessoas, que se negam a prestar atenção aos detalhes. De acordo com a Morte, as pessoas só "observam as cores do dia no começo e no fim, mas, para mim, está muito claro que o dia se funde através de uma multidão de matizes e entonações, a cada momento que passa". São poucas as pessoas que podem se agarram às coisas importantes da vida, sem deixar que as coisas não tão boas as suguem. A Morte se indigna com isso, pois até ela que não tem descanso é capaz de se revitalizar através de pedaços de histórias.

Ela, que vive para o trabalho e não tira férias, é uma narradora pertinente para uma história que se passa nos arredores da II Guerra Mundial. Dentre várias fábulas humanas que conhece, a ceifadora resolve nos contar uma que muito chamou sua atenção: a da menina Liesel Meminger. Uma alemãzinha que se vê levada até uma rua desconhecida, para morara com pais adotivos desconhecidos, em pleno ano de 1940, depois que sua mãe não tem mais condições de cuidar dela. Em sua nova casa, na Rua Himmel, Liesel encontra um pai que toca acordeão, uma mãe cujas palavras preferidas são saumensch (s.f.) e saukerl (s.m.), uma amizade de cabelos cor de limão, um judeu de cabelos de pena que vive em seu porão e uma biblioteca abastada onde pratica seu vício secreto: o furto de livros. 

O olhar da Morte caiu sobre Liesel pela atenção da menina para com os detalhes. Ela podia descrever (com precisão, nuances e a posição das nuvens) o céu para o seu amigo judeu que vivia no escuro do porão. Mesmo com o ambiente árido que a Guerra trazia consigo de limitações, horrores e marchas de judeus para campos de concentração, Liesel era capaz de se agarrar à vida avidamente, através dos grandes detalhes positivos. Um deles um amor que nasceu e foi crescendo tão naturalmente e sem aviso que no final já tinha passado por tanto e tudo que era real sem ter acontecido. 

O autor Markus Zusak é um contador de histórias tão bom quanto a Morte e suas palavras são brilhantemente costuradas. Ele usa os sentidos e as sensações como instrumentos de construção do mundo de Liesel. Ao ler é possível sentir, cheirar, ver, degustar. É possível cheirar com os olhos e ver com a boca. Num trecho em que discorre sobre o judeu no porão, é possível ler: "Só havia comido o gosto fétido de seu próprio hálito faminto (...)". Não acho que alguém mais é capaz de descrever a fome tão intensamente, com uma única frase. 

Ao nos fazer sentir através das palavras, Markus nos prova empiricamente que estava certo ao defender, no livro, o poder que as palavras têm. O Führer sabia muito bem como administrar as palavras, ele cresceu e chegou ao topo por causa delas. Moveu milhares de pessoas com seu discurso. Com o perdão da metáfora usada por Zusak, Hitler plantou as palavras-sementes em campos imensos, as regou e esperou que florescessem. Mas, ao mesmo tempo, as palavras salvaram Liesel. Ela as agarrou com toda a força que tinha e elas lhe deram esperança de um jeito que nada mais podia. A menina que roubava livros entendeu que as palavras podem ser usadas tanto para o bem quanto para o mal. Eram tão agridoces quanto sua vida, e ela as amava e odiava com a mesma intensidade.  

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